Com uma aparência de urso, que lhe rendeu a descrição científica de Didelphis ursina, é um animal robusto e musculoso. Sua pelagem é escura com manchas brancas na região da garganta, das bochechas e lombar. Os dentes molares são adaptados à sua dieta decarniça. É um caçador pouco eficiente, preferindo animais de pequeno porte. Pode ser encontrado em vários tipos de habitat, incluindo áreas urbanas, mas prefere bosques costeiros e florestas esclerófitas. Noturno e solitário, habita uma área de vida definida, mas não tem tendências territoriais. Ocasionalmente, vários animais se reúnem para se alimentar de uma carcaça, gerando interações agressivas. Promíscuos, acasalam-se uma vez ao ano, gerando ninhadas de dois a quatro filhotes, que são desmamados aos oito meses de idade. É o maior marsupial carnívoro existente, após a extinção do tilacino, e possui convergência ecomorfológica com ashienas.
Inicialmente, o animal foi visto pelos colonizadores europeus como uma ameaça aos rebanhos domésticos, sendo então caçado e envenenado, com significativa redução populacional. Em 1941, a espécie foi oficialmente protegida e os números começaram a aumentar. No final da década de 1990, uma doença neoplásica reduziu drasticamente a população e agora ameaça a sobrevivência da espécie, que em maio de 2009 foi declarada em perigo de extinção. Programas de manejo estão sendo conduzidos pelo governo da Tasmânia para reduzir o impacto da doença, incluindo uma iniciativa para formar um grupo de diabos saudáveis em cativeiro, isolados da doença. O animal é o símbolo da Tasmânia e de muitas organizações, grupos e produtos associados ao estado. Ficou popularmente conhecido através do personagem Taz dos desenhos animados Looney Tunes. Devido a restrições de exportação e do fracasso reprodutivo dos demônios no exterior, quase não há indivíduos fora da Austrália.
Nomenclatura e taxonomia
Gravura do Didelphis ursina eDidelphis cynocephala publicada em 1808, junto da descrição de George Harris.
Gravura do "Sarcophile oursin" publicada no "Histoire Naturelle des Mammifères" em 1837 por Frédéric Cuvier.
O naturalista George Harris fez a primeira descrição do diabo-da-tasmânia em 1808, nomeando-oDidelphis ursina, por lembrar a aparência de um urso, devido às orelhas arredondadas. Em 1810, Étienne Geoffroy Saint-Hilaire recombinou o nome científico para Dasyurus ursinus alegando uma maior relação entre o diabo e as espécies do gênero Dasyurus. Frédéric Cuvier, em 1837, descreveu o gênero Sarcophilus para o ursinus, alegando que a espécie era mais próxima aoThylacinus que ao Dasyurus, porém com características distintivas o suficiente para garantir a descrição de um novo gênero. Em 1838, Richard Owen descreveu uma espécie fóssil, Dasyurus laniarius, com base em espécimes do Pleistoceno coletados na caverna Wellington, em Nova Gales do Sul.
Como o nome proposto por Harris, já estava pré-ocupado pelo Didelphis ursina descrito por George Shaw em 1800, ele foi substituído paraUrsinus harrisii por Pierre Boitard em 1841. Em 1903, Oldfield Thomas, sem ter conhecimento da substituição feita por Boitard, renomeou o Didelphis ursina de Harris para Sarcophilus satanicus, mas em 1913, reconhecendo que o harrisii antecede sua nomeação, recombina oUrsinus harrisii para Sarcophilus harrisii, estabelecendo a combinação válida para a espécie.
Werdelin, em uma revisão taxonômica publicada em 1987, determinou que as espécies do Pleistoceno e as do Recente não possuíam características distintas marcantes e deviam ser consideradas como uma única espécie, cujo nome seria Sarcophilus laniarius (1838), que possuía prioridade sobre Sarcophilus harrisii (1841). O trabalho de Werdelin não foi muito aceito pela comunidade científica, e ambos os nomes foram usados para o diabo-da-tasmânia no decorrer dos anos. Colin Groves, na segunda edição do "Mammals Species of the World" de 1993, utilizou o nome Sarcophilus laniarius para a espécie, entretanto, na terceira revisão de 2005, tornou a usar Sarcophilus harrisii, deixando o nome S. laniarius para a espécie fóssil, que deveria ser retida como uma espécie distinta já que as medidas da espécie fóssil e atual não coincidem em muitas variáveis.
O diabo-da-tasmânia é uma espécie politípica, possuindo duas subespécies reconhecidas: S. h. harrisii, da Tasmânia, e S. h. dixonae, umtáxon extinto descrito por Werdelin (1987) com base em material subfóssil encontrado em Nelson Bay, Vitória. Análises filogenéticasdemonstraram que o diabo tem maior relação com as espécies do gênero Dasyurus do que com o Thylacinus, ao contrário do que postulou Frédéric Cuvier em 1837.
Distribuição geográfica e habitat[editar | editar código-fonte]
O diabo-da-tasmânia é endêmico da Austrália, onde pode ser encontrado apenas na ilha da Tasmânia e algumas ilhas costeiras próximas, como Robbins, Bruny e Badger. A população da Ilha Bruny sobreviveu até meados do século XIX, não havendo mais registros para a espécie após 1900. A população da Ilha Badger foi ilegalmente introduzida na metade da década de 1990, sendo removida em agosto de 2007. Registros subfósseis indicam também a presença da espécie na ilha Flinders até o início do século XIX.
A espécie extinguiu-se no continente australiano entre 3 000 e 4 000 anos a.p. Dentre os fatores que a levaram à extinção, três hipóteses são levantadas: (1) competição com os dingos por alimento, (2) pressão sofrida pela expansão dos aborígenes, e (3) mudança climática em decorrência da intensificação da Oscilação Sul-El Niño(OSEN). O S. harrisii estava bem distribuído através da Austrália durante o Pleistoceno, declinando e ficando restrito a três populações remanescentes durante o Holoceno Médio, a cerca de 3 000 anos atrás. Uma no norte, próxima a Darwin, Território do Norte, baseada em um único registro fóssil e na arte rupestre. Uma no sudoeste daAustrália Ocidental baseada em registros descritos por diversos autores. E uma no sudeste, baseada em registros feitos em várias localidades que vão do delta do rio Murrayaté as vizinhanças de Port Phillip, Vitória. Em 1972, um dente fóssil encontrado na região de Augusta, Austrália Ocidental, foi datado tendo entre 430±160 anos de idade, entretanto, essa datação radiométrica foi rejeitada em 2006, devido a incertezas quanto à origem do depósito onde foi encontrado o dente, especialmente porque os outros achados do mesmo sítio foram datados com cerca de 3 000 anos.
Os diabos podem ser encontrados em todos os habitats da ilha, incluindo os arredores das áreas urbanas, mas preferencialmente habita bosques costeiros e florestas esclerófilas. O "núcleo" da distribuição, onde se concentram as maiores densidades populacionais, está localizado nas zonas com precipitação anual de baixa a moderada do leste e norte da ilha. Densas florestas úmidas de eucalipto, áreas alpinas, brejos densos e úmidos e pastagens abertas suportam apenas baixas densidades populacionais. Diabos também evitam encostas íngremes e áreas rochosas.
Características
Ficha técnica
Peso 5,5 - 11,8 (Machos)
4,1 - 8,1 (Fêmeas)
Comprimento
(média) 652 mm (Machos)
570 mm (Fêmeas)
Cauda
(média) 258 mm (Machos)
244 mm (Fêmeas)
Tamanho de ninhada 2 - 4
Gestação 14 - 22 dias
Desmame 8 meses
Maturidade sexual 11 meses (Machos)
2 anos (Fêmeas)
Longevidade 5 - 6 anos
O diabo-da-tasmânia possui uma aparência superficial de urso, exceto pela cauda. Possui porte robusto, com uma cabeça curta, larga e musculosa, focinho curto e orelhas arredondadas. As orelhas são peludas com tufos bem demarcados na base. Sua pelagem é de castanha escura a negra, exceto pela mancha branca na região da garganta e por uma ou duas manchas nas regiões lombar e lateral do corpo. Cerca de 16% dos animais apresentam melanismo, ou seja, são completamente negros, sem qualquer tipo de mancha.
Os membros dianteiros tendem a ser maiores que os traseiros. O primeiro dedo do pé está ausente, fazendo com que o diabo tenha 5 dedos nas mãos e apenas 4 nos pés. As garras não são retráteis. A cauda, não-preênsil, curta e uniformemente coberta de pelos, tem importante papel na fisiologia, no comportamento social e na locomoção. Ela funciona como um depósito de gordura, e diabos saudáveis tendem a ter caudas grossas, e age como um contrapeso que ajuda a dar estabilidade quando o animal se movimenta rapidamente. Glândulas ad-anais na base da cauda são usadas na demarcação e na comunicação social pelo seu odor forte e característico.
Dentição do diabo-da-tasmânia.
O crânio e os dentes são maciços e resistentes. A dentição assemelha-se a dos marsupiais fósseis e aos gambás sul-americanos. Os quatro molares são bem desenvolvidos e adaptados, permitindo que o diabo triture ossos e rasgue carne, os três primeiros têm formato triangular, enquanto os dois últimos são análogos ao dente carniceiro dos carnívoros placentários. Os caninos são proeminentes e mais arredondados e os pré-molares são bem reduzidos. Machos têm caninos mais fortes que as fêmeas, provavelmente por causa da dominância sexual exercida na estação reprodutiva. A fórmula dentária é .
As fêmeas possuem 4 mamas e o marsúpio é completamente fechado e voltado para trás na estação reprodutiva, ao contrário da maioria das espécies da família. O tamanho varia consideravelmente com o habitat, a dieta e a idade. Os machos são geralmente maiores que as fêmeas.
Longas vibrissas se estendem na face e no topo da cabeça, e têm função sensorial na localização de presas e de outros indivíduos da espécie. A audição é o sentido dominante, mas o olfato também é apurado, alcançando distâncias de até 1 km. Devido ao hábito noturno, a visão é fortemente monocromática, conseguindo detectar objetos em movimento rapidamente, mas tendo dificuldade para visualizar objetos estacionários.
Ecologia e comportamento
Embora noturno, o diabo-da-tasmânia aprecia banho de sol.
O diabo-da-tasmânia é um animal de hábito noturno e crepuscular. Ambos os sexos constroem ninhos com gravetos e folhas em buracos cavados pelos próprios ou tocas de vombates vazias, onde passam o dia. Em áreas tranquilas podem ser vistos tomando banho de sol. Apresenta um comportamento solitário, com interações macho-fêmea na estação reprodutiva. Fora dessa época as interações entre fêmeas é um pouco comum, mas entre machos é rara. Ocasionalmente, quando os indivíduos se reúnem em torno de uma carcaça, eles interagem de modo agressivo, mas não apresentam um sistema de hierarquia social. Quando reunidos utilizam-se de um repertório para comunicação social que incluiu posturas, vocalizações e utilização de urina e secreção glandular. Em condições de cativeiro, os diabos-da-tasmânia organizam-se num sistema hierarquizado.
Não possui comportamento territorial, apesar de habitar uma área de vida definida, que frequentemente se sobrepõe a áreas de indivíduos do mesmo sexo ou do sexo oposto. A localização e o tamanho dessa área depende basicamente da disponibilidade de alimento. Uma típica área de vida é estimada em 13 km², variando entre 4 e 27 km². Não há registros de movimentos sazonais, embora no inverno os animais se movimentem mais a procura de alimento. Ocupa diferentes tocas, mudando a cada 1-3 dias, percorrendo uma distância entre elas que pode variar de 3,2 km a 8,6 km, sempre à noite.
Com a extinção do tilacino em 1936, o diabo-da-tasmânia tornou-se o maior marsupial carnívoro existente. O tilacino representava um importante predador, tanto de adultos quanto de filhotes de diabos. Os juvenis são predados por águias (Aquila audax fleayi), corujas (Tyto novahollandiae), Dasyurus maculatus e por cães domésticos e errantes. O diabo possui uma função ecológica no ecossistema, limpando as carcaças do ambiente, evitando assim a proliferação de moscas-varejeiras e outras pragas, como Vespula germanica e Oncopera spp., e controlando as populações da raposa-vermelha e de cães e gatos errantes. Através de uma convergência ecomorfológica, o diabo e a hiena compartilham uma mandíbula e dentes fortes, capazes de triturar ossos, além de hábitos carniceiros, desempenhando papéis semelhantes nos diferentes ecossistemas. O diabo possui distribuição simpátrica com duas espécies do gênero Dasyurus, D. maculatus e D. viverrinus, mas apenas com o primeiro compete diretamente por alimento.
Dieta e hábitos alimentares
Diabo-da-tasmânia se alimentando de um pequeno canguru atropelado.
A dieta da espécie é bastante variável e depende da disponibilidade de alimento, e inclui uma grande variedade de vertebrados e invertebrados, como também frutos e plantas. Grande parte da alimentação é derivada de pequenos a médios cangurus dos gêneros Macropus, Wallabia, Thylogale, Bettongia e Potorous, vombates (Vombatus ursinus), carneiros e coelhos. Geralmente consumindo as carcaças de animais atropelados ou mortos por outras causas. O diabo não é um caçador eficiente, e quando caça, geralmente ataca animais de pequeno porte, como aves, sapos, répteis, vombates, cangurus pequenos, cordeiros fracos e doentes. Em média, o diabo come cerca de 15% do seu peso corporal por dia, embora possa ingerir mais de 40% caso tenha a oportunidade.
Reprodução
Três filhotes tomando banho de sol.
O diabo-da-tasmânia tem hábitos promíscuos e se reproduz uma vez ao ano entre os meses de fevereiro e junho. Em estudos mais antigos, a estação reprodutiva era mais curta, concentrando-se nos meses de fevereiro e março. O período gestacional varia entre 14 a 22 dias e resulta numa ninhada de 2 a 4 filhotes. Como na maioria dos marsupiais, o restante do desenvolvimento ocorre no interior do marsúpio. Até os 90 dias, as crias ficam agarradas às mamas, aos 105 dias deixam o marsúpio pela primeira vez e são desmamadas aos 8 meses.
Os machos disputam as fêmeas na estação reprodutiva e a fêmea se acasala com o macho dominante. O maior contato entre os indivíduos nessa época resultada em maiores taxas de lesões como resultado da agressão intra/inter-sexual. O acasalamento se dá tanto de dia como de noite. As fêmeas normalmente atingem a maturidade sexual aos dois anos de idade, entretanto, devido ao aparecimento da doença tumoral facial, a maturidade já pode ser observada no primeiro ano de vida.
Genética
O diabo-da-tasmânia tem uma baixa diversidade genética quando comparado a outros marsupiais australianos e a placentários carnívoros. Este achado é consistente com o efeito fundador insular, mas reduções populacionais pré-doença também podem ter colaborado. Embora a sobrevivência e reprodução da espécie não seja comprometida por essa baixa diversidade, ela pode reduzir a resistência a doenças. A falta de diversidade no complexo principal de histocompatibilidade (MHC) é possivelmente um dos principais fatores atrás da disseminação do tumor facial.
As populações de diabos do noroeste e do leste são geneticamente distintas. O fluxo gênico pode ser reduzido por barreiras naturais à dispersão, entretanto, essas barreiras não são intransponíveis. Os diabos do noroeste também possuem um MHC ligeiramente distinto dos diabos do leste. Em junho de 2011, foi divulgada a análise do sequenciamento total do genoma de dois exemplares da espécie, um do noroeste e um do sudeste da ilha, e também do tumor presente no indivíduo do sudeste. O sequenciamento do genoma tem como objetivo ajudar no manejo genético da espécie a fim de preservar a diversidade genética nas populações futuras.
Conservação
Diabo-da-tasmânia no Cleland Wildlife Park, próximo à cidade de Adelaide.
A espécie foi listada como vulnerável sob o Threatened Species Protection Act 1995 da Tasmânia em 2005 e pelo Environment Protection and Biodiversity Conservation Act 1999 da Austrália em 2006, entretanto, essa categoria foi retificada em 2009 para em perigo. A União Internacional para a Conservação da Natureza e dos Recursos Naturais (IUCN), que classificava o S. harrisii como pouco preocupante em 1996, reclassificou-o em 2009 como em perigo.
Historicamente, os colonizadores europeus consideraram o diabo-da-tasmânia uma praga que atacava e matava as aves domésticas e os cordeiros. Como consequência, foi intensivamente caçado por vários anos até a proteção oficial em junho de 1941, quando a população começou a se recuperar gradualmente.
Registros indicaram baixas densidades populacionais ao menos três vezes nos últimos 150 anos (nas décadas de 1850, 1900 e 1940), com recuperação levando de duas a três décadas. Sem nenhum agente causal identificado. Estimativas populacionais feitas na metade da década de 1990 indicavam entre 130 000 e 150 000 indivíduos, com aproximadamente 50% de adultos, entretanto os números são considerados superestimados. A doença tumoral já reduziu a população total em mais de 70%, incluindo toda a metade oriental da ilha onde já causou uma redução de mais de 90%. A extinção na natureza é uma possibilidade real de acontecer entre 25 a 35 anos, caso a neoplasia continue se espalhando.
A principal ameaça que atinge o diabo-da-tasmânia é a doença do tumor facial. Outras ameaças conhecidas são: atropelamento, caça ilegal, perda do habitat e competição com a raposa-vermelha. No passado pré-doença eram as principais causas de mortalidade e controle populacional da espécie.
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